7 de mar. de 2012

Precisamos Explodir a Enterprise


Essa notícia  é um pouco antiga:

Software Livre tem 3% de Participacao no Mercado Nacional
A participação do software livre no mercado nacional de software e serviços é de 2,95%, segundo a 7ª edição da pesquisa “Mercado Brasileiro de Software — Panorama e Tendências” encomendada pela Associação Brasileira das Empresas de Software (ABES) e realizada pela IDC. O que equivale a US$ 0,5 bilhão

O estudo aponta que após uma década de apoio ostensivo de muitos representantes da gestão pública no país, em especial do governo federal, e bilhões de reais aplicados neste modelo, o desempenho não foi satisfatório.

“A pesquisa confirma o que os empresários têm alertado ao governo há anos sem serem ouvidos: o modelo de software livre não produz inovação, demanda mais mão-de-obra, remunera menos toda a cadeia produtiva, não é alto sustentável e seria praticamente inexistente em termos de PIB sem o governo como seu protagonista. Não entendemos a quem interessa insistir em mais uma década com uma estratégia que não tem resultados macro-econômicos relevantes, consome recursos milionários e ainda doa conhecimento estratégico em TI produzido com recursos públicos para concorrentes internacionais, que representam mais de 50% dos downloads do portal do software público”, Gérson Schmitt, presidente da Abes, em comunicado oficial enviado à imprensa.

Segundo a pesquisa, o mercado brasileiro de software e serviços cresceu 21,3% em 2010, e movimentou cerca de US$ 19,04 bilhões.
O grifo é meu. Essa pesquisa foi feita pela Abes. A Abes é uma organização muito importante para o Brasil, que representa os interesses das empresas de software, que emprega milhares de brasileiros e presta grandes serviços a todos nós. Por exemplo, ela é uma das principais empresas brasileiras na ação contra a pirataria de software, uma praga que destrói valor, que joga no lixo o trabalho de muita gente.


A declaração do presidente da Abes é muito interessantes. Ele diz, entre outras coisas, que SL:
  • Não produz inovação;
  • Demanda mais mão-de-obra;
  • Remunera menos toda a cadeia produtiva.
O que ele fala é verdade, mas (e esse é um grande mas) eu conheço o mercado de SL e sei que esses fatos não se prestam à interpretação crua.

Vamos revê-los.

Não produz inovação


É razoável supor que a inovação a que o presidente da Abes se refere seja, no mínimo, a inovação como entendida por empresas que produzem software - inovaçao em software. Criação e desenvolvimento de novos produtos.

Sob esse ponto de vista, eu acredito que ele está 100% correto. Software Livre dificilmente inspira uma empresa a criar algo novo, já que a venda de licença e serviços será mais complicada. Melhor exemplo é a Apple, que volta e meia é criticada por comunidades de SL dizendo que usaram e abusaram, e devolveram muito pouco (a mesma crítica que a Canonical recebe da comunidade Debian.

Demanda mais mão-de-obra

Como ele avalia isso? Não consigo imaginar, e não estou em posição de ir lá perguntar a ele. Mas posso sugerir uma hipótese: 100% de um departamento de TI que usa 100% de Windows resolve adotar, sei lá, RedHat. Esse departamente vai precisar contratar no mínimo alguns profissionais a mais. No futuro esse departamento pode treinar seus outros empregados para dar suporte aos novos produtos, mas com certeza precisará de mais gente, e hoje. Ou seja, usar SL significou aumentar o quadro.

Outra hipótese é que essa mudança se dá por conta de crescimento: ao invés de continuar com o que tem, resolvem investir em SL. Novos empregados, que seriam contratados de qualquer forma, contratação motivada pelo simples crescimento, vão ser contratados para esses novos produtos. Há menos mão-de-obra para SL que para outros. Logo, os salários são "diferenciados", o risco de turn-over aumenta, tudo se complica.

Eu diria que ele também está certo nesse caso, ainda que não posso dar mais certeza que no item anterior, já que eu tenha apenas um chute razoável sobre o critério aqui.

Remunera menos toda a cadeia produtiva

De novo, concordo com ele. Software Livre não faz parte da cadeia produtiva da indústria de software proprietário, e usá-lo significa esvaziar essa cadeia. São menos pessoas trabalhando nessa cadeia.

Será?

Vejamos de novo os argumentos, aproveitando o conhecimento que eu tenho sobre o mercado de Softare Livre.

Não produz inovação ?

Veja esses links:
O mais legal é que o artigo original saiu em junho de 2011, um pouco antes da pesquisa da Abes.

Em outras palavras, SL livre é o petróleo da inovação do mercado de capitais norte-americano na década de 2000. Sua existência mudou as regras do jogo. Me pergunto como deve ser esse cenário no Brasil.

A Pentaho Corporation foi fundada para unificar projetos de SL (dai o nome) e ganhar dinheiro vendendo Software Livre e serviços. O impacto do Pentaho foi tão grande que empresas de software proprietário lançaram versões SoHo e Cloud gratuitas (como a líder do mercado MicroStrategy.)
  • A comunidade de SL do Pentaho desenvolveu sua parte do bolo, também: um português que volta e meia nos visita, o grande Pedro Alves, codificou um framework de dashboards tão bom que a própria Pentaho o adotou ao invés de criar o seu.
  • Tom Barber e equipe estão desenvolvendo um novo visualizador OLAP, que deve substituir o jPivot completamente em breve.

A partir do trabalho de seu fundador, Miguel Valdes Faura, no OW2, a empresa Bonitasoft criou uma solução de automação de BPM (um BPMS) que praticamente definiu o padrão dessa solução no mercado de SL. Tamanho foi o sucesso desse conceito que grandes empresas de SL seguiram a idéia e lançaram concorrentes.

Finalmente, cheque meu post  Calibre sua Biblioteca.

Demanda mais mão-de-obra?

Vejam meu post Salários de especialistas Linux em alta nos EUA. Lido a frio, o comentário do presidente da Abes parece depor contra ele: não é bom aumentar a demanda por mão-de-obra? Isso não significa mais empregos? Como nós não temos a informação sobre o contexto no qual ele se expressou, não podemos seguir essa linha de raciocínio.

Por outro lado, pense um pouco: se é correta a hipótese de SL não se adequa ao mercado "clássico" de software, então estamos falando de um mercado novo, com enorme potencial de crescimento, tanto em empregos quanto em faturamento.

Existe uma empresa especialista em SL (no Brasil) que tem uma equipe de TI própria (para suas próprias necessidades) menor que a média da categoria. Eles conseguem ter um quadro menor porque usam 100% de SL para tudo. A experiência deles mostra que, embora não seja óbvio nem fácil fazer, usar SL e jogar pesado com RH tem um impacto sensível no quadro de empregados e no faturamento da empresa. Na experiência deles, seu quadro de TI tem proporcionalmente menos mão-de-obra que as outras empresa do mesmo porte e negócio. (Eu preciso conseguir autorização para publicar esse caso - é bom demais! Mas eles não querem chamar a atenção!!!)

Finalmente, qualquer adoção de novos softwares (e não apenas mais do mesmo), livre ou proprietário, traz embutida a pressão por mais mão-de-obra. O que diferencia uma pressão da outra?

Remunera menos toda a cadeia produtiva?

Que cadeia produtiva? Como comparar a cadeia produtiva de SL, que é simplesmente diferente da de SP?

Veja só isso:
  1. Uma empresa de pequeno-médio porte não pode arcar com custos típicos de soluções de BI.
  2. Uma empresa de SL oferece a esse mercado pequeno-médio soluções de BI mais em conta, usando Pentaho, com desenvolvimento, capacitação e suporte.
  3. Seus profissionais são treinados por outras empresas, de pequeno-médio porte, que vendem treinamento na plataforma e em BI.
  4. Essas empresas de treinamento desenvolvem ou compram o material de curso e...
  5. ...Para isso contratam profissionais, CLT ou freelancers.
  6. Esses profissionais investem na sua própria educação, para se manter atualizados e manter atualizados os cursos.
Isso não é só um exercício de imaginação! Busquem na web por suporte e treinamento em Software Livre! Veja quantas pessoas e empresas existem, no Brasil, nesse mercado.

Empresas como a Pentaho, a Bonitasoft, RedHat, Canonical, Compieri, EnterpriseDB e tantas outras possuem suas próprias cadeias de fornecimento, nas quais são empregadas muitas pessoas, e - mais que isso - atendem segmentos que tem menos capacidade de arcar com a estrutura e custos requeridos por muitos softwares proprietários e que são indispensáveis hoje em dia.

É, pura e simplesmente, um outro mundo, novo, com muito espaço para crescer.

Só para constar: a Bonitasoft com certeza está demandando mais mão-de-obra.  :-)

Conclusão

A Abes é uma grande organização (no sentido de importância e seriedade, não no tamanho), a serviços de empresas sérias e competentes, de um mercado importante e vibrante, no Brasil e no mundo. Ela existe no contexto da produção de software tal como um carro produzido em uma indústria de automóveis, que tem seu próprio orgão de apoio (a ANFAVEA.) Como um brasileiro cioso da responsabilidade que todo governante tem em gastar bem o nosso dinheiro, é esperado, é até uma postura moralmente imposta, que ele faça essas perguntas. Tem meu total apoio e fico feliz que ele as tenha feito.

Porém, como destaca Gary Hamel em seu livro O Futuro da Administração, pessoas mais vividas, experientes, tendem a se ligar emocionalmente com o que acreditam correto, e tem mais dificuldade de executar a quinta lição de liderança de James T. Kirk: às vezes é preciso mandar a Entreprise pelos ares (figurativamente, claro, já que ela literalmente faz isso o tempo todo), para poder continuar em frente.

O fato de o presidente da Abes estar certo, dentro de suas premissas, não muda o fato de que ele está errado, se o mercado estiver passando por uma evolução. A Abes simplesmente não representa esse mundo, esse mercado de SL, que teima em surgir, crescer e dar dinheiro a muita gente.

A Enterprise está explodindo! Todos para a sala de teleporte!! ;-)

5 comentários:

  1. Todo comentário é muito bom e bem-vindo, mas tem alguns que valem como autógrafos do Papa! Obrigado, Gerson. ;-)

    ResponderExcluir
  2. Corrigir a passagem: "alto sustentável" !!

    ResponderExcluir
  3. Anônimo, obrigado pelo toque, mas a triste realidade é que o deslize foi cometido ou pelo Sr. Gérson Schmitt, ou por quem o transcreveu. Eu copiei o original (e optei por fazê-lo na íntegra.) Obrigado mesmo assim! Espero que tenha gostado do post. ;-)

    ResponderExcluir
  4. Grande Fábio,

    Trabalhar com Software Livre é mostrar todos os dias que você é necessário para o negócio de seu cliente, quando ele não está convencido disso ele pode contratar o seu concorrente ou até mesmo fazer com equipe interna.

    Dar liberdade total para o cliente é sempre um grande desafio para o fornecedor, é preciso mostrar todos os dias que você pode agregar valor para o negócio de seu cliente.

    Acredito que inovação é algo que o SL proporciona muito para o mercado, basta ver a quantidade de produtos e serviços baseados em SL no mundo.

    O Google, Facebook, Apple e até a Microsoft utilizam SL em alguns produtos e serviços.

    No Brasil temos empresas importantes que utilizam e recomendam muito o uso de SL e conseguem criar diversos produtos e serviços usando SL.

    As empresas não estão dispostas a errar e aprender, e por isso temos um grande espaço neste mercado provendo soluções que ajudam as empresas a obterem um ganho maior com SL e errar menos, tendo maior garantia que terão sucesso com SL.

    Pensando em ajudar as empresas a diminuir o risco de seus projetos com BI Open Source e que fundei a empresa IT4biz em 2007, o grande objetivo da empresa é garantir que o projeto de BI Open Source será um sucesso e que mesmo usando SL é possível ter um projeto de qualidade.

    Não é preciso gastar milhões para ter uma solução completa de BI, com pouco dinheiro é possível ter excelentes resultados.

    Grande abraço,

    Caio Moreno de Souza (a.k.a Professor Coruja)
    IT4biz IT Solutions
    www.it4biz.com.br
    http://blog.professorcoruja.com

    ResponderExcluir